quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

samba triste

um café na rede num dia nublado, pra acinzentar meus pensamentos. luz do quarto apagada pra classificar as horas. as mensagens lidas e não respondidas. as risadas que substituem afirmações. as palavras escritas nos livros me chamam, mas a cabeça só quer afundar no travesseiro rodeado de penumbra. as flores desenhadas no meu edredom lacrimejam pra mim. todos os cigarros fumados pela metade, todas as cervejas quentes pelo meio. a garrafa de vinho que não tomamos. todo meio te amei, meio não amei. qual parte sente falta do seu cheiro e qual metade grita? trabalho com antagonismos. o preto no branco. o seu silêncio, a sua reticência. seus cílios loiros e roupa de cama desfeita. é que pra me amar, tem que ser assim. não adianta só deixar os sapatos no canto da sala. tem que bagunçar o banheiro, esquecer a porta aberta, cozinhar e deixar louça. é que pra me amar tem que ser profundo, tem que se afogar, tem que caçar cavalo marinho lá no fundo da gente. porque eu cansei de superfície. cansei de sorriso amarelo traduzido em emotions incompreensíveis ou interpretáveis como aulas de português do ensino médio. cansei de fingimento. caminho pelas ruas de copacabana com a cegueira de Saramago, sem enxergar mais ninguém. todos os outros caras me olham, mexem com o ruivo dos meus cabelos. me sinto numa piada sem graça. eu sei que eles me querem em suas camas, que eles me querem os acompanhando nas mesas dos restaurantes caros que eles ostentam, que eles me querem como uma companhia despretensiosa na praia ou no cinema num dia de domingo. que eles me querem desnuda pra realizar todos os seus desejos. no entanto, nenhum deles guarda a doçura que só você tem no jeito de me chamar de linda e piscar os olhos ao mesmo tempo. de prender seus cabelos prateados e ficar tão bonito que dá vontade de abraçar. e seu jeito que me leva a ter lágrimas nos olhos quando escrevo textos idiotas pensando que vai dar tudo errado, que não somos do mesmo tempo, que você é barracuda e eu escafandrista. não se afobe não, que nada é pra já. eu sei que nasci pra voar e você pra cavar fundo. e assim a gente vai desafiando o tempo dos normais. vou chorando nos coletivos e nos chuveiros. vou prendendo as tristezas e maquiando as olheiras pra não mostrar pros meus amigos o deserto que você deixa quando pega o elevador. você vai escondendo de mim suas inseguranças depressivas, enquanto me manda mensagens vazias de bom dia e enche a cara pra esquecer a dor. vamos repetindo esse samba triste como um mantra, vou tentando preencher minha rotina com atividades produtivas, com textos de política, com os sapatos que preciso lavar, e as roupas pra doar, e a parede que precisa ser consertada e o ronrone da Frida e aquela receita que eu queria fazer ouvindo aquele disco da Gal Costa no silêncio do meu apartamento de fundos. enquanto você não me chama pra te ver, pra tomar uma cerveja olhando a guanabara, pra ficar no teu corpo, na tua vida, nas tuas vírgulas. enquanto eu não pego a minha bike e vou embora numa fuga, bato em retirada, com o vento no rosto e a dor que a liberdade pode me trazer. enquanto eu não decido aquilo que devia decidir, rejeito essas flores mortas, desenterro meus ímpetos. enquanto a gente não aceita esse sim.

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