quinta-feira, 8 de março de 2018

tudo outra vez

você pegou um avião sorrindo e me deixou só uma polaroid grudada no mural. partiu pro velho mundo e eu fiquei com aquela música da banda com nome esquisito que eu nunca consigo lembrar no pensamento. você se foi, mas aqui dentro ficou a calmaria de alguém que me fez um bem danado nesse último mês. até quisera, por um instante, ficar melancólica com a partida. mas quando lembro da sua risada desajustada e do jeitinho que você tem de franzir os olhinhos quando ri, quando penso nas tantas noites e dias, não sobra espaço pra lamento. você se foi e aqui fiquei com a curiosidade de como se constroem metrôs por aí, do quão esquisito é suíço-alemão, de como fazer pizza com pão árabe, da sua surpresa com o famigerado salgado de um real. ficou uma saudade com gostinho de piscina e sauna às dez da noite, da conchinha que você fazia quando acordava e do jeito que você me chamava de “menina” com sotaque nordestino. do jeito que a gente se olhava na penumbra quando você pedia que eu me despisse só pra você e das tantas vistas maravilhosas que compartilhamos. os ângulos diferentes da lagoa, fumando um cigarro e chegando à boas conclusões. até daquele tombo que tomamos no carnaval num cortejo doido dentro do túnel. hoje caiu uma baita chuva nessa cidade de longas ruas. lembrei dos dias de árvores verdes, de banho de rio de manhã, dos mundiais de peteca e da gente na casinha ouvindo o silêncio do mato e a respiração um do outro. das tuas interpelações, dos cochilos na rede, do barulhinho do violão à noite e do pé de jambo. esse texto, inclusive, podia se resumir ao pé de jambo e ao cheiro da terra molhada e ao mundo inteiro contido nesse pedacinho de recordação. um oceano no meio. seu apelo meio gringo com defeito de se relacionar. você pegou um avião, não deixou nada deixando tanto. fiquei. não com promessas, não com esperanças. fiquei com uma sensação de ter sido longamente abraçada. com a tranquilidade de ser eu mesma - desse jeito que posso ser quando a gente tá junto e fica conversando sobre espírito até três horas da manhã. desse jeito quando a gente sente que alguém desperta algo de bom na gente. fiquei com um sorriso no canto do rosto de saber que vivemos dias bonitos de esquecer. quando penso na vida, na sua totalidade e em sua completude, penso que ela é assim mesmo: um caleidoscópio de sorrisos calmos, uma chuvinha caindo macio dentro da gente, uma nostalgia que a gente deixa passar num suspiro sem se dar conta. enxergar a boniteza num café fresquinho, nas suas poucas palavras, que embora poucas me inspiraram e me fazem produzir outras muitas - estas mesmas que você tá lendo agora. seu desconserto quando eu te chamava de lindo, seu desencaixe e ao mesmo tempo a piscadinha rápida e o sorriso envergonhado que você mostrava quando queria minha presença. ontem fiz uma playlist. só eu ouvi. só eu sorri com ela pensando nos batuques e falsetes engraçados que você fazia quando imitava as músicas. embora me tenha sido bastante suficiente. e agora eu conto pra você, pra dizer que não teve tristeza. teve só uma vontade boa de repetir outras coisas de jeitos diferentes. você sabe que coisas. até pode imaginar. ou não. talvez eu possa mas quem sabe não tenha como agora. esse texto era só pra dizer que me vi no espelho com um brilhinho no olhar. fazia tempo, viu, menino? espero que não demore tempo. porque esse tempo passa, ele voa rápido. igualzinho esse avião que você pegou. 

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

confessionário

eu te confesso não saber se eram minhas pernas trêmulas ou as batidas do meu coração que me confundiram os pensamentos no momento em que te vi, no meio das pessoas, brilhando entre fantasias de carnaval. eu te confesso que nunca esqueci o nosso último suspiro, tampouco o primeiro, quando fomos pro festival e nos beijamos pela primeira vez. confesso também que quando ando nas ruas do bairro todas as esquinas resolvem gritar o teu nome, pra me lembrar que você pode estar em todos os lugares e ainda assim estar ali, dentro de mim. o bar que sentamos mais de uma vez pra tomar cerveja; a rua que encostamos pra fumar juntos; a esquina que esperamos o ônibus e fomos as pessoas mais carinhosas do mundo um com o outro; eu te confesso que nunca esqueci o café da manhã que tomamos, o seu cheiro nas minhas cobertas. quando você me pedia que eu te abraçasse pelas costelas. eu te confesso que meu corpo não conseguia ficar longe do teu quando te encontrei, tamanha surpresa que era te ver ali. quando você me olhava do jeito que só você me olha, ostentando todo o Universo. te confesso que perdi o ar muitas vezes, pensando que a gente é um caso perdido. mas mesmo com você boicotando esse amor, te confesso que a vida às vezes me diz baixinho que não acabou. e quando te peço pra que você diga que me esqueceu, que me diga pra desistir, pra ir embora, pra te extirpar de mim, você me fala que sentiu saudade e que seu corpo também não quer ficar longe do meu. eu te confesso ter sonhado contigo por muitas noites e dias, quando sonhava acordada imaginando o jeito só nosso que temos de lidar um com o outro. e te confesso que esse espaço que você tomou em meu coração é tão grande, tão absurdo, que parece às vezes não ser real. e poderia te falar de quantas vezes ele ficou apertado de saudade, querendo só ouvir sua voz e ter notícias tuas. ou quantas vezes essa saudade não escorreu pelos olhos, imaginando que já era tarde demais pra nós. que já não tinha espaço pra mim no seu Universo. mas te confesso que esses dias têm sido difíceis e que eu tenho perdido a voz; os sentidos, o caminho pra casa,  meus pensamentos no seu endereço te imaginando deitado na cama imerso nos seus sentimentos tão emotivos e amorosos sobre a vida. e como se não bastasse, te confesso que ainda não te esqueci. que sua presença continua muito viva dentro de mim. te confesso, ainda sou tua.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

anestésica vida

ela entrou no recinto e fitou o espelho. recuperou um mistério, um brilho no olhar. desbravou o infinito nexo causal entre os cílios superiores e inferiores - esse cosmo colorido que há entre eles. no fundo da íris arcos, no fundo dos arcos olhos. do rosto molduras, silhuetas, partituras. essa sensação de sentir as árvores balançando com a velocidade do coletivo, o vento batendo no rosto e de se sentir viva, muito viva, viva pra caralho. no fundo das gavetas que precisava arrumar, achou sorrisos injustificáveis. gargalhadas de perigo. e dos sapatos que precisava tirar a lama, encontrou metros, milhas, quilômetros, achou pés. pra andar por aí nesse mundo e sentir o que é teu. e deixar ir tudo aquilo que nunca foi. encontrou uma felicidade aguçada. era como se tivesse despertado de um sono de domingo, oblíquo, leve, quase que embaçado. como se pela primeira vez entendesse a completude - só que não era, já sentira esses suspiros antes por si mesma em outros tempos só que diferente. era como fitar um lago gelado e profundo, mas dessa vez submergir e se perceber em águas quentes. impetuosas, porém de delicadeza insustentável. sentia a potência de uma vida. talvez de outras, das que já tinha ido. talvez pressentisse as que ainda viriam. recém-nascida de uma anestesia: abriu as janelas e encontrou o delírio.