terça-feira, 30 de janeiro de 2018

confessionário

eu te confesso não saber se eram minhas pernas trêmulas ou as batidas do meu coração que me confundiram os pensamentos no momento em que te vi, no meio das pessoas, brilhando entre fantasias de carnaval. eu te confesso que nunca esqueci o nosso último suspiro, tampouco o primeiro, quando fomos pro festival e nos beijamos pela primeira vez. confesso também que quando ando nas ruas do bairro todas as esquinas resolvem gritar o teu nome, pra me lembrar que você pode estar em todos os lugares e ainda assim estar ali, dentro de mim. o bar que sentamos mais de uma vez pra tomar cerveja; a rua que encostamos pra fumar juntos; a esquina que esperamos o ônibus e fomos as pessoas mais carinhosas do mundo um com o outro; eu te confesso que nunca esqueci o café da manhã que tomamos, o seu cheiro nas minhas cobertas. quando você me pedia que eu te abraçasse pelas costelas. eu te confesso que meu corpo não conseguia ficar longe do teu quando te encontrei, tamanha surpresa que era te ver ali. quando você me olhava do jeito que só você me olha, ostentando todo o Universo. te confesso que perdi o ar muitas vezes, pensando que a gente é um caso perdido. mas mesmo com você boicotando esse amor, te confesso que a vida às vezes me diz baixinho que não acabou. e quando te peço pra que você diga que me esqueceu, que me diga pra desistir, pra ir embora, pra te extirpar de mim, você me fala que sentiu saudade e que seu corpo também não quer ficar longe do meu. eu te confesso ter sonhado contigo por muitas noites e dias, quando sonhava acordada imaginando o jeito só nosso que temos de lidar um com o outro. e te confesso que esse espaço que você tomou em meu coração é tão grande, tão absurdo, que parece às vezes não ser real. e poderia te falar de quantas vezes ele ficou apertado de saudade, querendo só ouvir sua voz e ter notícias tuas. ou quantas vezes essa saudade não escorreu pelos olhos, imaginando que já era tarde demais pra nós. que já não tinha espaço pra mim no seu Universo. mas te confesso que esses dias têm sido difíceis e que eu tenho perdido a voz; os sentidos, o caminho pra casa,  meus pensamentos no seu endereço te imaginando deitado na cama imerso nos seus sentimentos tão emotivos e amorosos sobre a vida. e como se não bastasse, te confesso que ainda não te esqueci. que sua presença continua muito viva dentro de mim. te confesso, ainda sou tua.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

anestésica vida

ela entrou no recinto e fitou o espelho. recuperou um mistério, um brilho no olhar. desbravou o infinito nexo causal entre os cílios superiores e inferiores - esse cosmo colorido que há entre eles. no fundo da íris arcos, no fundo dos arcos olhos. do rosto molduras, silhuetas, partituras. essa sensação de sentir as árvores balançando com a velocidade do coletivo, o vento batendo no rosto e de se sentir viva, muito viva, viva pra caralho. no fundo das gavetas que precisava arrumar, achou sorrisos injustificáveis. gargalhadas de perigo. e dos sapatos que precisava tirar a lama, encontrou metros, milhas, quilômetros, achou pés. pra andar por aí nesse mundo e sentir o que é teu. e deixar ir tudo aquilo que nunca foi. encontrou uma felicidade aguçada. era como se tivesse despertado de um sono de domingo, oblíquo, leve, quase que embaçado. como se pela primeira vez entendesse a completude - só que não era, já sentira esses suspiros antes por si mesma em outros tempos só que diferente. era como fitar um lago gelado e profundo, mas dessa vez submergir e se perceber em águas quentes. impetuosas, porém de delicadeza insustentável. sentia a potência de uma vida. talvez de outras, das que já tinha ido. talvez pressentisse as que ainda viriam. recém-nascida de uma anestesia: abriu as janelas e encontrou o delírio.