terça-feira, 17 de outubro de 2017

massa.

ela entrou no metrô apinhado de gente naquele dia nublado. o coração apertava, engolia a seco as palavras ásperas, as reticências infinitas. seria parêntesis ou pontos finais? sentia saudade dos abraços envolventes, dos olhares profundos. as coisas tinham mudado. velhas perspectivas. e estavam predizendo as coisas que nós já sabíamos. observou as pessoas ao redor, suas roupas, suas risadas e des-sorrisos; sombrinhas, ternos, sacolas, todo tipo de tralha que carregamos com a gente sem saber por quê. sobrancelhas franzidas, sorrisos amarelos, dedos frenéticos nos telefones, braços inquietos. milhões de universos emocionais pairando na luz fluorescente. quantos deles tinham amado? quantos tinham sido amados? será que havia paixão em frequentar vagões lotados na terça-feira matinal da grande metrópole ou eram mesmo aquele pálido conjunto que refletia a luz nublada daquele dia de devaneio?
um senhor tossiu, despertando-a daquele mergulho reflexivo. com quantas pernas essa gente se mantém de pé nesta vida de gado? com quantos passos construímos relações que nos inspiram ou nos transformam? seremos nós melhores ou piores depois dessas pessoas, tantas que a gente se esquece, tantas que lembramos como fosse ontem, tantas que nosso coração já recrudesce, tantas que já não há mais lágrima sequer, ou, se há, já não possuem o mesmo valor. só esse nó na garganta. quando a gente decide que alguém vai mudar a nossa existência ou vai só ser o cara do nosso lado no coletivo cheio, lendo umas poesias de manuel bandeira? quando aconteceu, não sei. o momento sutil que fica suspenso, os reflexos dos tímidos raios de sol na janela, a gota d'água pairando na névoa fria. quando começamos a contar? a quantificar os seres humanos entre os que nos magoam e os que ainda não nos conhecem? a quantificar coisas que não deram certo e as que ainda não aconteceram, esquecendo das horas, das qualidades, das admirações, dos suspiros. até quando seremos essa manada que foge com o apito da porta, com o "atenção portas se fechando", que se dispersa pelas escadas rolantes do mundo afora, mas que assim mesmo se arruma de roupa social e sai de casa todo dia como um gado novo. até quando...

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

poema pra bruna

você me olhou com esses olhos redondos e com a típica testa franzida, as sobrancelhas sobressaltadas: seu traço típico. uma mulher arisca e arrojada. era algo que me agradava, essa coisa de viver com gente que inspira a gente. que dá asas aos nossos sonhos e pega o espírito do nosso riso. uma mulher forte, de luta, carregava as marcas da vida e um furacão dentro de si. fugida do interior, certamente de tempos de outras nuvens e de outras histórias, de campos verdes e de outros céus azuis. seu estilo questionador, esquadrinhador de personalidades me soprava a vida. quem sabe até carregava algo de filha de iansã, como eu, talvez essa tempestade dentro dos olhos. revirava minhas entranhas de pequena burguesa, por vezes cuspindo a poética realidade da vida na minha face. cheia de piadas infames, esse teu humor negro singular e um gestual de paralisar aqueles que ousam te ler. é pra ser codificada, essa tua lua em áries que diz tanto sobre seu sol em peixes. pra você escreveram cartas, poemas, sonetos, livros inteiros sobre liberdades muitas. foi pra você que forjaram esta luta, para que sua presença protagonizasse as rosas e as chamas, os livres e os suspeitos, o escrever com a luz do seu jeito discreto de estar nos bastidores e articular a própria revolução. uma mulher inteira, hoje metade de mim, como não te escrever sobre prosas prosaicas e nossas pós modernidades? como não te colocar em meus questionamentos diários, em meus diálogos mudos, nas minhas mandingas e meditações - se todos os dias me tornas escafandrista de mim mesma, me fazendo mergulhar nos meus devaneios e me perguntar se tanta ansiedade um dia não vai me fazer rodar o mundo ou, quem sabe, parar de rodar em círculos. te faço, pois, esse poema sem métrica, sem rima, sem teto. pois não há uma outra consequência lógica que não esbravejar essa força feminina que compartilhamos (quase) todos os malditos dias. façamos um brinde aos dias de ontem, aos dias do amanhã, aos porres que ainda não tomamos, mas que certamente tomaremos, aos dias que nosso coração não chorou e a todos aqueles que, encharcados de dor e amor, nos deixamos afogar. às carnavalidades que ainda não problematizamos nós ousamos celebrar. seremos senhoras de todas elas, quando com esses pormenores tão imensos, desafiamos a lógica superficial das pessoas de plástico e seguimos com nossa espontaneidade de fotossintetizar a intensidade.