chovia na cidade maravilhosa. ele, maltrapilho de sentimentos, se abrigava embaixo da marquise, percebendo que os pingos de chuva que caíam eram gotas da luz do sol. sempre viu a vida desse jeito meio torto, meio diferente de todo mundo. quando algum amigo se machucava, não via sangue jorrar - e sim aquele líquido brilhante fosforecente que imitava as noctilucas brilhando a noite no mar.
ele percebia, com a sensibilidade de um morador de rua, as profundidades líquidas pessoais. entendia daquele líquido que brilhava dentro de cada um e morria um pouco sempre que alguém costurava o peito pra se esconder do mundo, dos outros e de si próprios.
permaneceu ali o mendigador de sentimentos, observando o ir e vir da existência, totalmente absorto com as luzes cintilantes que cada um levava no meio de si. às vezes, seus olhos ardiam. e ele sentia que era só. sentia que era o único que enxergava o ritmo dos pingos que caíam do céu e escorriam não se sabe pra onde e por quê. mas insistia em brilhar. ao menos, quando noite fosse, seria uma daquelas luzinhas turbulentas teimosas, que são como uma colcha de retalhos de estrelas no alto do morro - e que embora pequenas ainda queimavam.
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