segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
metalinguagem
esta página, correu meio mundo para ser escrita. acordou sozinha de ressaca umas tantas vezes. sozinha também se criou. precisou de um pouco de coragem, um punhado de amigos e de uma caneta azul. era uma página que sonhava. queria mesmo era fazer revolução: reescrever todas as páginas do mundo em sua melhor caligrafia. era uma página arrojada, gostava do novo, de ouvir discos e cozinhar os pontos finais. manchou-se, certo dia, essa página desastrada. foi um grande estrago, corretivo nenhum resolvia. teve de refazer os rabiscos e desenhar com outras cores. gostava de mar, a página silenciosa. era discreta, porém potente. carregava o peso de uma história temperada com lágrimas e coentro. não gostava de maiúsculas. achava que eram todas cheias de si, sempre querendo chegar na frente dos outros. tinha garra, essa página. levava um pouco de luta nos braços e gás de pimenta na garganta. tinha o carnaval no coração e uma fábula em seu nascimento. foi contemplada com romances - mas só aqueles nos quais valia a pena emudecer ou cantar e que precisavam mesmo é ser contados. perdeu alguns anos em prosa, mas dedicou toda a sua existência em poesia.
sexta-feira, 17 de junho de 2016
movimento autoexplicativo do eu
ontem eu passei a noite no hospital. poucas pessoas souberam. menos que poucas perguntaram hoje como eu estava. não me importo muito. sou dessas pessoas discretas mesmo, reservada com meus pormenores (nem sempre tão menores assim), disponíveis apenas para aqueles merecedores da minha confiança guardada naquela caixinha com chave escondida debaixo dessa cara de gente que sabe se virar. com o passar dos anos (e das pessoas) me acostumei a ser sozinha. acho mesmo é que sempre fui. me lembro que quando tinha 16 me imaginava com 20 e poucos anos, morando num apê legal e curtindo perder as horas entre vinhos, livros e café amargo. acho que imaginei certo. só não imaginei que às vezes isso dá soninho. não por precisar de alguém do lado te regulando. não, isso nunca. jamais venderia a liberdade que os meus pais me ensinaram me deixando subir na cadeira e fazer meu leite com toddy sozinha aos cinco anos por um companheiro qualquer. o que cansa mesmo é passar noites sozinha no hospital. as enfermeiras ouvindo o seu sotaque e perguntando "você não é daqui né?" e morrendo por dentro de pena de te ver ali, 20 e poucos anos, anti-alérgico na veia, roupa de escritório, um óculos de armação preta com ar sério e questionando se amanhã estarei de pé o suficiente para agradar meu chefe. cansa, ter que ir trabalhar com sinusite crônica, ter que cozinhar com pés cansados, ter que faxinar de ressaca, ter que ter ressaca, porque é preciso sair de casa e esquecer do coração que bate errado, do chefe que te liga, do gato que te acorda, da mãe que te pergunta o que você almoçou hoje, dos amigos que só te fazem passar vergonha. cansa, ler livros dos quais já sabemos a história, arrumar o armário das coisas que você bagunçou, andar pelos metrôs preocupada com a conta no vermelho. ninguém me contou que a vida era ver amigos partindo, amigos sendo injustamente despedidos de seus empregos, amigos maravilhosos tomando anti depressivos, pra curar a gente daquilo que deveria fazer a gente querer viver: a própria vida. me afogo em antibióticos, sei o gosto exato de remédios para gastrite, sei o remédio que é pra minha geração o alívio eutanásico de se afogar numa porção alcóolica depois do expediente numa sexta-feira. nos prometeram mundos e fundos, mas na verdade, nos cobram mundos e nossos fundos estão mais vazios que a minha geladeira de estudante solteira. exigem que eu tenha experiência, mas não me dão oportunidade. exigem que eu saiba inglês, francês, espanhol, trabalhe num grupo empresarial de sucesso, seja deusa fitness, musa da balada, sarrância garantida, sexo sem limites, juventude gratidão - aos 20 poucos anos, só não nos deram o exemplo de como ser tudo isso. o que essa geração faz com tantas exigências ultrapassa aqueles maiores mistérios da física quântica que aprendemos no tão longínquo ensino médio. talvez seja uma resposta daqueles binômios de newton ou dos exercícios de raciocínio lógico que nós de humanas nunca fomos capazes de responder. a verdade meus caros, nua e crua, a vida como ela é, a gente sente no começo do inverno, nos ombros ou nas canelas. esta geração quer mesmo é se aposentar da vida. quer sentir profundo, mergulhar bonito, amar infinito. só nos falta quem apareça no meio desse apagão que a realidade traz, desse ensaio sobre a cegueira que é essa rede de relações modernas, esse jato de mangueira de bombeiro que é essa modernidade líquida - só nos falta alguém que nos acenda a luz.
terça-feira, 1 de março de 2016
indomada.

adquiri móveis. dentre as suas inúmeras funções, fiz amor em cima deles. desenhei mandalas na corrente sanguínea. escrevi poemas para amores que nunca me amaram. talvez viver seja isso mesmo, um passeio num dia chuvoso, os pingos batendo na gente, a gente correndo pra todo lado, a gente fingindo não ver a gente que corre; a gente não vendo que quer ficar e se molhar todo. a gente não vendo a gente que fica. e gente como eu, de alma louca, de alma incendiosa, ficando, molhando, chovendo a inundação dentro de si, pra ver se o fogo apaga. no fundo, a gente é tão a gente e é tão parecido e ao mesmo tempo tão singular. vivi por uns anos usando cachecol. tomando chimarrão. vivi por uns anos me perguntando quem era, o que queria. usei botas pra aprender que o quem sou eu é difícil de domar. sentei e pintei quadros. peguei um trem, um ônibus, uma van do precipício. peguei um avião pra nunca mais voltar. peguei carona num sonho. uma desabrigada, sem teto, uma fora da lei. perdida em livrarias e cafés. perdida em exposições. perdida nessa infinidade de mapas astrais.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
vista pro mar.
eu vi o sol nascendo cor de rosa no seu quarto interativo. o vento era fresco, ainda tinha gosto de vinho, ainda tinha a gente no meio do mar de edredons. lembrei de você com o barulho da chuva caindo e ouvi Pérola Negra mil vezes pra esquecer. tomei um café, sentei aqui e divaguei. por onde será que andava sua alma livre? e o mar nos olhava pela fresta da janela. tinha poesia escrita nas paredes. tinha uma coleção de discos que eu queria ouvir todos. eu queria devorar você. te fazer pele, te deixar cheiro. porque quando a gente não explode pra fora, só tem dois jeitos da gente não sucumbir: ou a gente vira lágrima ou a loucura nossa loucura vira letra. pinga a chuva e eu lembrando que quando você me olha, passa aquele automotor que me atropela, que me faz delírios. e eu me perco nessas horas ouvindo Silva e fazendo disso um oceano, numa eterna vista pro mar.
domingo, 21 de fevereiro de 2016
encontros e despedidas.

sorrisos, políticas e pessoas. sou aquele vento que precede a chuva que chegou e já está indo, que se vai mas deixa a anunciação. as casas que já morei, as histórias que já contei a mim mesma que já passei, os livros que já vivi e os olhares que eu já li: reflexos, espelhos, as faixas amarelas na estrada, as gotas de umidade correndo velozes pela janela do vôo, o capim que balança quando a gente passa acelerado pisando firme e deixando pra trás passos e passionalidades. esse sentir tão infinito que nos faz ansiosos, tão resguardado que nos torna calmos. a luz da manhã invadindo o quarto, a mochila nas costas para o próximo destino. next stop: as infinidades dessa nossa breve e intensa existência humana".
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