
sentada no Divã a rapariga cansou de esperar. Cruzou as mãos uma dentro da outra e passou a rodar os polegares para ver o tempo passar. A névoa branca lá fora na janela era o mais perfeito ambiente pro seu estado de espírito: cansaço, eterno. fitou as mal feitas unhas cor de rosa; já não significavam a empolgação da semana anterior. suas botas de grife mais pareciam uns calçados velhos adquiridos num mercadinho qualquer da cidade. em vão, chegou a conclusão de que quanto mais consumia, mais se sentia sedenta de algo que não conseguia descobrir o que era.
quanto mais se deprimia, mais pensava na saudade dos anos que não voltam mais. mais queria os amigos perto, mais ansiava a conquista que nunca vinha.
o mundo não era mesmo como os filmes latino americanos que, mesmo levando uma vida miserável, as pessoas eram felizes no final. haviam por aí pelos montes pessoas tão infelizes quanto ela. a consciência disso a torturava a garganta. engoliu seco quando a terapeuta enfim se sentou a sua frente com o óculos de armação preta. ela piscou deliberadamente. iria enfrentar agora todos os medos que reprimiam sua alma.
ao término da sessão, desceu as escadas do consultório e deu na rua. apertou mais o cachecol sobre o pescoço e caminhou até o ponto de ônibus. avisou a linha 166, deu o sinal e aguardou. o motorista abriu as portas mas a menina não se moveu. ficou ali, parada, como se houvesse congelado. o motorista fechou as portas do transporte e engrenou a marcha. sem pensar duas vezes, a menina andou e logo estava na frente do automóvel em alta velocidade. em rápidos instantes, encontrava o seu destino final: sua ascensão e glória no chão da avenida fria e trepidante.