terça-feira, 1 de março de 2016

indomada.

eu nasci canhota. e teimosa, teimosa como uma mula. cresci passando batom roxo e correndo atrás das pessoas loucas que me inspiram. cresci andando de cavalo, fazendo teatro, dormindo na praia, ouvindo meu pai ouvir Raul Seixas. ouvindo minhas irmãs ouvirem The Doors. sentindo sua rebeldia, aprendendo a abrir a porta, sair de casa e ganhar o mundo. sentindo meu sagitário gritar em dias de céu cinza. pintando as unhas de vermelho, de negro, de cor de unhas roídas quando a ansiedade bate. gargalhando em voo livre. jogando meu casaco nos ombros e andando pelas cidadest. nas ruas, nas esquinas, nos bares. comprando quadros, uns discos novos. esperando aquele chegar pelo correio. um disco de uma banda da Austrália, que veio da Alemanha e que minha irmã trouxe da América. pra ouvir com uma amiga da Turquia. compartilhar com um amigo do Chile. deixar meu coração num bloco de carnaval brasileiro. sem maiúsculas, editei aquele pôster daquela pintora mexicana. terminei de ler Sartre, corri de bicicleta pelo parque. respirei o ar daqui, o ar de lá. saboreei você. planejei uma viagem pra Espanha.
adquiri móveis. dentre as suas inúmeras funções, fiz amor em cima deles. desenhei mandalas na corrente sanguínea. escrevi poemas para amores que nunca me amaram. talvez viver seja isso mesmo, um passeio num dia chuvoso, os pingos batendo na gente, a gente correndo pra todo lado, a gente fingindo não ver a gente que corre; a gente não vendo que quer ficar e se molhar todo. a gente não vendo a gente que fica. e gente como eu, de alma louca, de alma incendiosa, ficando, molhando, chovendo a inundação dentro de si, pra ver se o fogo apaga. no fundo, a gente é tão a gente e é tão parecido e ao mesmo tempo tão singular. vivi por uns anos usando cachecol. tomando chimarrão. vivi por uns anos me perguntando quem era, o que queria. usei botas pra aprender que o quem sou eu é difícil de domar. sentei e pintei quadros. peguei um trem, um ônibus, uma van do precipício. peguei um avião pra nunca mais voltar. peguei carona num sonho. uma desabrigada, sem teto, uma fora da lei. perdida em livrarias e cafés. perdida em exposições. perdida nessa infinidade de mapas astrais.