terça-feira, 22 de dezembro de 2015

retrospectiva.


quando abri os olhos, fosfenos furta-cor gritaram a realidade. meu corpo era um sorriso sem fim. era uma orquestra perfeita de sons, imagens, sentimentos e sensações; era o coro dos loiros pêlos arrepiados do meu pescoço na junção com os do braço. eram os meus cílios negros inquietos, ou esse meu cabelo indomável. era o batom vermelho que você espalhou dos meus lábios, era o gosto da cerveja quando a gente se beijou. era o cheiro do cigarro no quarto. era o seu medo de gatos. era essa inspiração esquisita, essa expiração desencontrada. era o jeito que você conseguia enxergar as cores tão no fundo dos meus olhos. e eram seus infinitos olhos castanhos em 2015. e esse era meu jeito de escrever as coisas que costumavam transbordar de mim em dezembro. e dentre as infinitas surpresas, das duas casas, três empregos, cinco viagens, umas vinte cidades, cinquenta e poucas provas, cento e tantas festas, trezentos e algumas pessoas novas, uma militância sem fim, você foi a última. nos 35 do segundo tempo, às duas da tarde, numa segunda-feira ensolarada, bem no ângulo.

em 2015 eu era essa eterna existência do nosso não-ser. era uma distância enorme, de dois ou três bairros. eram milhões de anos-luz dentro das incapacidades sentimentais humanas. e ao mesmo tempo, eu era bilhões de micro-cósmicos pontinhos coloridos refletindo seu jeito livre de colorir essa vida. como definir o indefinível? como construir uma frase com tantos portugueses se sua proximidade me fez esquecer os vocábulos, calar os fonemas e perder os acentos?
esse era o meu estranho jeito de não me esquecer de olhar o céu em 2015. de não me cansar das coincidências da vida, de tornar o meu eu dentro de mim um espaço amplo pra fazer um carnaval. você chegou e levou embora a faxineira. derrubou a terra das plantas. entornou cerveja no meu colchão. deixou as cinzas de cigarro na minha cama. esqueceu seu cheiro na minha nuca. você chegou e levou embora a paz da solitude, bagunçou a porra toda. essa sou eu em 2015. esses são meus olhos profundos, meu cabelo indomável, meu sentir indecifrável. meus óculos pretos e meu esmalte também são eu em 2015. tentando entender um pouco dessa modernidade líquida que insiste em me afogar.