terça-feira, 16 de junho de 2015

shine.

chovia na cidade maravilhosa. ele, maltrapilho de sentimentos, se abrigava embaixo da marquise, percebendo que os pingos de chuva que caíam eram gotas da luz do sol. sempre viu a vida desse jeito meio torto, meio diferente de todo mundo. quando algum amigo se machucava, não via sangue jorrar - e sim aquele líquido brilhante fosforecente que imitava as noctilucas brilhando a noite no mar.
ele percebia, com a sensibilidade de um morador de rua, as profundidades líquidas pessoais. entendia daquele líquido que brilhava dentro de cada um e morria um pouco sempre que alguém costurava o peito pra se esconder do mundo, dos outros e de si próprios.
permaneceu ali o mendigador de sentimentos, observando o ir e vir da existência, totalmente absorto com as luzes cintilantes que cada um levava no meio de si. às vezes, seus olhos ardiam. e ele sentia que era só. sentia que era o único que enxergava o ritmo dos pingos que caíam do céu e escorriam não se sabe pra onde e por quê. mas insistia em brilhar. ao menos, quando noite fosse, seria uma daquelas luzinhas turbulentas teimosas, que são como uma colcha de retalhos de estrelas no alto do morro - e que embora pequenas ainda queimavam.

terça-feira, 9 de junho de 2015

tijuca.

hoje eu caminhei pelo bairro pra sentir o quanto ainda lembro de você. passei naquele lugar onde costumávamos tomar sucos diferentes. sentei no bar do outro lado da rua, pra poder te ver melhor. observei nós dois chegando, de mãos dadas e sorrindo. não demorou muito e saímos, tão gelados quanto aquele sanduíche de cream cheese e salmão que eu sempre pedia. cru e cruelmente frio.
eu já te disse o quanto era injusto lidar com a sua existência. mas até esses dias de junho, ela nunca me pesou tanto os ombros. observar essas ruas que guardaram tantas das nossas andanças; o restaurante mexicano com aquela quesadilla vegetariana e uma mixelada num domingo qualquer. o posto de gasolina onde você comprou tantos kitkats com coca-cola pra gente assistir intermináveis episódios no netflix. e o metrô, onde eu sempre estava indo ou voltando pra te ver.
há alguns dias vi você me observando. estava conversando com um amigo e sentia o seu olhar me seguindo onde quer que eu fosse. todos os nossos amigos teceram comentários sobre o quanto você me olhava. e nesse mar de disfarces, nesse baile de máscaras pitoresco, terminamos sendo aqueles que nos trancamos em casa sozinhos pensando um no outro, mas que fingimos nunca ter existido. tornamo-nos tão hipócritas quanto esses casais por aí, que são de plástico e insistem em aceitar a vida e suas variações bizarras. aqueles que se sentam em bares com caras tristes de tédio ou então de saudade, lidando com as conformações de infindáveis meias felicidades.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

sujeito separado com a vírgula do infinitivo

eu, óculos de armação preta, vagando pelos bares da cidade nas madrugadas frias do começo de junho. eu, buscando no fundo de um copo maltado as borbulhas da efervescência humana. eu, bato os calcanhares da botina preta no taco encerado das escadas. eu, sento. eu, sinto a brisa me gelar os ombros e deixo a fumaça do cigarro de filtro amarelo invadir minha ansiedade. a gente ganha um carimbo de gado quando vai lá fora fumar. encurralados, assistimos o espetáculo daqueles que buscam algo mais de uma terça-feira qualquer. porque, afinal, esses rótulos não fazem sentido. essas unhas pretas já estão cansadas de testemunhar essa caminhada solitária e interminável de sentimentos sem rumo.
eu, me aprumo. eu, busco desesperadamente aquilo que não sei sobre mim mesma, em músicas, em discos, em incensos e velas; em fitas coloridas, em películas do cinema; procuro nos livros, nos quadros, nas pinturas. nas pictorescas imagens e fotografias sépias de tanto limpar a lente e fotografar novamente - a resposta para uma questão sem pergunta. o momento exato e preenchedor da busca pela existência. que faremos nós quando soubermos tanto sobre nós mesmos que descansaremos em paz se olhando profundo nos olhos um do outro? quando, deitados um fronte ao outro, refletirmos o fundo dos nossos olhares como um espelho claro e límpido? pisco. uma piscadela de milésimos no desandar dos séculos. uma crônica no vão da escada vazia. eu, óculos de armação preta. um sujeito separado com vírgula do infinitivo que é estar aqui nesse universo.