quinta-feira, 26 de março de 2015

rio porque to no rio.

acordei sobressaltada. o despertador zunia aquela música irritante que eu passei a odiar, simplesmente por ser a música do meu despertador. tateando no escuro, encontro Minduim, o macaco de pelúcia xexelento que ganhei. 08:05. mais um atraso, mais um dia, mais uma semana em que não consigo fazer tudo aquilo que eu planejo fazer toda santa segunda. um café quentinho, uma torrada e o gosto da pasta de dente. bato a porta, porque não sei fazer isso de outro jeito. lá em cima o Cristo me olha, revestido com um cenário profundamente azul e sem nuvens. o jasmin do meu vizinho me violenta com seu perfume. os raios do sol me preenchem. que manhã linda para se pensar o quanto o universo nos presenteia. pego o ônibus, dou bom dia, faço contas das dívidas e dos sentimentos que perdi e que ganhei. e percebo que depois de tanto mudar, tenho um comprovante de residência. as calçadas com cheiro de cerveja, os predinhos antigos se abrindo para mais um novo dia de comércio. o dia me sorri, como uma música de carnaval. adentrei o centro e vi o skyline de prédios imponentes escondendo o porto. alguns com espelhos brilhantes, outras construções estruturais... e era o meu centro. me vi com 25 anos, vivendo e respirando o presente. sorri de coração, pensando na vida pra levar. e aí uma cidade inteira se abriu sob os meus olhos e descobri que meu maior problema era ser intensa demais. mas tudo bem se esse é meu maior defeito: ele é fácil de lidar. porque de sentir a gente não morre, mas de tédio sim.

segunda-feira, 23 de março de 2015

uma menina me ensinou.

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as nuvens estão cinzas e prateadas como a fumaça que sai da caneca de café. e como que numa crônica quase sartreana, estou divagando sobre a liberdade e sobre como esses tempos modernos são como as nuvens ali de cima. está certo que um dia nublado tem lá os seus encantos; mais ou menos aquela coisa de ver o cinza pra valorizar o azul. mas já visualizou como esse paradoxo pode dizer tanto sobre a natureza da essência humana? é verdade que muitos movimentos sociais, culturais e artísticos se empenharam em prol da conquista, da libertação. décadas de afirmação e luta. mas o que é que eu vou fazer com essa tal liberdade?
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vivemos num mundo onde a cada dia mais as relações são constituídas de cristais líquidos. onde, ao sentarmos nas mesas da vida, nos são ofertados menus de gente tinderizadas, nos quais podemos escolher aquele carinha que coloca fotos de natureza, mesmo que num sábado de sol ele esteja muito mais preocupado com seu próprio ego do que em te levar pra passear sob o céu azul. todos os dias, vejo meus amigos repetirem a frase "eu não quero compromisso" como um mantra. e sabe, ninguém é obrigado mesmo a querer, mas o que realmente isso diz sobre a nossa geração?
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o que vejo é uma geração de pessoas profundamente frustradas, decepcionadas em se chocar tantas e tantas vezes em muros de concreto frios e de cor cinza. e por, a cada dia, baterem de cabeça em um muro chapiscado, tratam os outros com a mesma crueldade, tornando os demais marionetes dos seus próprios desejos, quando não fazendo-os a encarnação da vingança que não alcançamos no relacionamento anterior. não sei em que momento aconteceu, mas em algum instante as pessoas perderam o direito de sentir. e hoje, é feio sentir. é feio chorar, é feio ficar chateado quando alguém magoa; aliás, mágoa? isso não existe nos condados da liberdade. aqui somos todos felizes e livres para viver a plenitude que é desfrutar do ser humano. um gozo máximo, quase que monológico. mas que se desvencilhou de uma das coisas mais nobres que eu, uma romântica idealista, considero como importante: fomos desvencilhados da beleza colorida do sentir.
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beije, mas não espere acordar do lado de alguém que te dê as mãos e te beije de novo no mar de edredons e travesseiros, deliberadamente e sem pressa; o normal é sumir no meio da noite ou acordar correndo cuspindo qualquer desculpa para justificar um sexo mágico (a gente fica e dia seguinte desapareço); transe, mas não ouse pensar em aprofundar, repetir ou aperfeiçoar sua performance, porque ela estará sendo aperfeiçoada com outros atores no fim de semana seguinte; me adicione nas redes sociais para não manter contato comigo ou então para me ligar às 3:32 da manhã visando uma transa que vai me deixar mais vazia do que minha geladeira de estudante solteira. me encontre na festa para, quem sabe, me ver ficando com outra e no fim da noite olharmos o que sobrou e decidirmos ir juntos pra casa porque nada despertou tanto assim minha excitação. mecanicamente, marcamos encontros vazios, com pessoas vazias e cada dia mais egoístas; iniciamos relações vazias, onde o imediato é a missão e onde tudo que está disponível no mundo pode te fazer mais feliz do que aquilo - e aí vive-se pelo que não vivemos e nunca vamos viver, almejando sempre possibilidades futuras e esquecendo de viver verdadeiramente do que já se vive.
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olhar nos olhos hoje é simplesmente visualizar os painés de um smartphone na tela de descanso; as informações passando, "fulano de tal" curtiu sua foto no instagram e 456 mensagens não lidas nos grupos do whatsapp. perdeu-se a profundidade. a delicadeza da sinceridade de roçar seus pés no da outra pessoa num domingo chuvoso, onde as almas libertas estão de ressaca demais para buscar alguma sensação sem limites. e nos espaços que sobram entre as grades da prisão janela engolimos o grito que é sentir a seco, obrigados a confinar nossas mais sinceras vontades sentimentais para seguir um padrão que nos encarcera, nos coloniza, nos torna tudo menos humanos, libertos porém presos. e aí vivemos, achando que experimentar quantidades de relações superficiais é viver a vida adoidado, sem perceber que esses olhares nublados não nos deixam enxergar que o que falta é mergulhar fundo sem medo de uma morte por afogamento. num mar que bauman, o zygmunt, ousou definir como líquido.