quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

concurso público.

_pois é. às vezes eu paro nessa repartição pública e converso com os processos imundos indagando o que será que houve. não sei bem a hora nem o local, só sei que em algum momento do tempo-espaço eu soltei a sua mão. não sei se foi na curva que separa seu cabelo seboso dos cílios ou se na tremedeira resultante daquelas anfetaminas; o fato é que agora me vejo sentada numa cadeira que é patrimônio público e tomando todas as tardes um café amargo e artificial com cheiro de burocracia.
_e eu me pergunto onde é que foram parar as pessoas loucas que queimam. os negros tocando jazz loucamente, as faixas amarelas da estrada e todas as viagens que sonhamos suspensas no tempo da vida. quando aconteceu? não sei. quando foi que a mina fútil que gosta de ler blogs de moda e de frequentar inferninhos tomou o lugar da mina que via as dores do mundo? a mina que enxergava os pedintes, que podia ver o céu azul além da janela do ônibus. aquela que gostava de esperar chegar a primavera para ler Bandini e suas crises existenciais. a que leu oliver twist na infância e prometeu a si mesma que mudaria o mundo.
_mesmo que me sinta a reencarnação de bukowski nas festas que ando frequentando, ainda não me enxergo de outra forma que não uma peruca ondulada montada numa ankle boot, afogando seus medos em copos de tequila e planejando me tornar tudo o que um dia eu queria ser. e no seguinte dia acordar de ressaca pensando em desentortar a vida, em vestir uma roupa decente e ser uma pessoa normal.
_em qual momento, meu caro amigo Sal, eu te abandonei? será que em Denver, ouvindo o barulho das fábricas tinindo? será que no México, na febre delirante no calor dos trópicos? quando foi, meu caro amigo, que eu deixei de acreditar naquilo que conversávamos por horas a fio? de projetos de vida alternativos, de ser rodeado de amor e de acreditar que o mundo é muito mais do que um sistema cheio de crueldades. em que momento da vida a gente esquece tudo aquilo que a gente criticamente pensa quando se é jovem?
vai ver é quando a poesia de viver na estrada evapora no calor do asfalto quente, ou quando a gente escuta a billie holliday tocando no rádio depois de passadas algumas décadas e sente aquela nostalgia do que nunca vivemos. no fundo são só segredos do asfalto, daquelas faixas desgastadas com o sol e a chuva, com as histórias de muitas caronas e crepúsculos que estarão por vir.