segunda-feira, 1 de outubro de 2012

os sonhadores.

o ônibus insiste em balançar quando passa nos buracos da estrada. é tudo escuro. lá fora, só as luzes das casas de periferia e os vagalumes, junto com aquele cheiro peculiar de enxofre que esses alagados guardam.
meu tênis rasgado insiste em me dizer que minha conta no banco é universitária e que nada que eu faça nos próximos 4 anos mudará essa realidade. as faixas amarelas, pintadas bem ao lado da estrada de chão, refletem a falta de amor que eu sinto por esse lugar. não é revolta, muito menos desprezo. é simplesmente indiferença.
o coração esquenta quando os fones saltam aos ouvidos. as unhas cor de vinho, as lembranças de viagem, os amores que já passaram - e até aqueles que ainda pulsam, todos eles correndo de mim pelo vidro da janela, me deixando sozinha nos campos do sul. foram-se embora os carros, os barulhos de buzina, os engarrafamentos, as ciclovias, a grande biblioteca da universidade, o samba no centro; foi-se embora o bondinho, as areias das praias que já fui, as alegres casinhas coloridas de Caraíva e de Buenos Aires. Foram embora as risadas na Lama e na Lapa. Acabou o festival.
Todas as coisas boas foram exiladas em um cassino, fechado pelo governo, nada mais entra aqui. A crueldade toma conta dessa cidade do já foi. Já foi capital, já foi grande, já foi de um tudo. Hoje, a decadência grita uma melodia excludente chamada progresso.
Mas eu tenho sonhos lindos. Eu tenho uma vida linda e sonhos, gigantescos, coloridos, saborosos. E todos eles voam como pássaros pelo mundo. Eles dançam comigo nesse maldito ônibus, eles me pegam pela mão quando o cansaço insiste em dizer que não há mais corpo pro trabalho. Eles me confortam e me fazem dormir quando o mesmo cansaço é tão intenso, que nem dormir mais se consegue.
Sonhos lindos de comprar uma casa e um carro e poder mantê-los. Sonhos de viajar e ver no Louvre todos os quadros que já vi na tv. Sonho de andar de gôndola, de ver os moinhos de vento, de fazer um picnic na champs elisées. De comer macarrão e ver o Coliseu. De conhecer São Francisco, Central Park e Brooklin. Eu tenho sonhos lindos e neles eu sou feliz. E eles me fazem enfrentar a dureza do dia a dia, as noitadas de garçonete, as aulas enfadonhas da academia, os projetos incansavelmente já falidos. Eles me fazem aturar as ruas sem asfalto, o peso do supermercado, a vala de esgoto a céu aberto. Eles são as veias de amor que correm no meu sangue alcoolico. São as únicas coisas que temos e nos fazem mais ricos.